Apesar de possuir enormes recursos minerais no seu subsolo, a província da Luanda Norte atravessa uma miríade de problemas sociais que vão desde a falta de água, luz, estradas esburacadas, desemprego, às deficientes condições de saúde. As empresas de exploração mineira prestam algum apoio às populações locais, mas insuficiente para inverter o quadro sombrio. As pedras preciosas há muito perderam o brilho.
Ilídio Manuel, Jane Lopes e Manuel Faria (Textos)
Edson Fortes (Fotos)
Viajar para a Lunda Norte por terra passando por Malanje não é apenas uma aventura, mas também um martírio, sobretudo nesta época chuvosa. De Luanda a Malange, o trajecto faz-se sem grandes sobressaltos, devido ao razoável estado da via, mas depois desta última localidade em direcção ao Cuango “é um Deus nos acuda”. A estrada é tão péssima que, às vezes, ficamos com a sensação de que há mais buracos do que asfalto. Em muitos troços da via, o tapete asfáltico desapareceu totalmente e deu lugar à terra avermelhada, à lama.
O trajecto de 212 km que separa Malange ao Cuango é feito em 10 cansativas e penosas horas quando, em circunstâncias normais, a viagem não duraria mais de três horas. Nesta fase do ano, o “fiscal” de obras, ou seja, as chuvas copiosas que se abatem sobre a região, trouxeram à superfície as debilidades das estradas, a má qualidade das obras, e as ravinas adormecidas ganharam corpo colocando em permanente perigo à segurança rodoviária.
O motorista da Macon, uma empresa privada de transportes rodoviários, conduz com redobradas cautelas o autocarro que nos leva em direcção ao Cuango. À aproximação aos inúmeros buracos, leva os travões a fundo, mas nem com isso consegue evitar o impacto da depressão, numa estrada traiçoeira e polvilhada de armadilhas.
Pachorrento, o autocarro percorre vagaroso, abana à sua passagem, mas as hipóteses de fugir aos buracos e “crateras” são diminutas, apesar da perícia e da precaução do condutor.
Cada quilómetro da Estrada Nacional (EN) 230 tem uma história por contar. Às vezes, dolorosa e trágica, como foi a que aconteceu com o camião que, saído de Luanda, carregado de cimento tombou na via quando o motorista tentava desviá-lo de um buracão. Em desequilíbrio, o veículo pesado cedeu ao peso e tombou para um dos lados. Felizmente, o acidente não resultou em danos humanos, mas causou inúmeros prejuízos materiais.
Os automobilistas nas várias regiões das Lundas não se queixam apenas das péssimas condições das estradas, como também das cobranças ilegais feitas nos vários controlos policiais montados, onde cada viatura é obrigada a pagar 500 Kz nos “checks points”.
Armando Dinis Muachicange, responsável da Associação dos Taxistas do Cuango, é um homem visivelmente revoltado e triste. Conhece como poucos as distintas estradas da província. Chamado a comentar o estado das vias, diz à nossa reportagem que as estradas, na sua generalidade, encontram-se em péssimas condições de circulação e que, apesar dos vários apelos para a sua reparação, os órgãos do poder local pouco ou nada têm feito. Ele acredita que o abandono das vias pode estar relacionado com o facto de os responsáveis e funcionários da Administração usarem a chamada “estrada da Mina, uma via alternativa”, à qual o povo não tem acesso.
O responsável associativo crê que se todos usassem a mesma via, ou seja, “as estradas do povo”, o cenário seria menos doloroso. “A separação faz com que eles não estejam preocupados em arranjar as estradas onde circulam os nossos carros que transportam o povo.” Sobre a cobrança de “gasosas” nos vários postos policiais montados nas vias, Armando Muachicange mostra-se indignado com facto de tais cobranças serem feitas à margem da lei, visto que os “taxistas pagam os impostos ao Estado e têm as suas viaturas legalizadas”, lamenta. E adiciona: “Não dão nenhum papel que prove que a cobrança é legal”.
A indignação aumenta de tom quando se refere às avarias constantes das viaturas devido ao “péssimo estado” das vias. “Não há acessórios e peças sobressalentes e os carros são assistidos de dois em dois dias”, acrescentou. Lamenta o facto de as empresas de exploração de diamantes não investirem os seus lucros na melhoria das condições de vida das populações. Diz que, para além das avarias constantes nos carros, os taxistas têm de suportar ainda a dor das “gasosas”, pelo que chegam a pagar diariamente 1.500 Kwanzas.
Em jeito de conclusão, Armando Dinis Muachicange denuncia: “Aqui na Lunda-Norte não há livre circulação de pessoas e bens”.
Adormecer ao som dos geradores
O Cuango acorda tal como adormecera na véspera: ao som dos geradores, barulhentos e poluentes, que, à falta de energia eléctrica da rede pública, têm suprido as carências energéticas em algumas residências e na única pensão do município.
A escuridão passeia-se pelas ruas e pelos bairros. Das 18 às 6 horas do dia seguinte, o barulho ensurdecer dos geradores toma conta do pequeno município que parece perdido no tempo e espaço. Para os visitantes, é como se o mundo terminasse aí, rendido aos pés do Cuango. Apesar de o município possuir um rio com excelente débito, o Cuango – um dos afluentes do majestoso rio Congo – não dispõe de uma única fonte energética hídrica, ou seja, uma barragem, por mais pequena que seja.
A falta de energia da rede virou negócio, a ponto dos locais pagarem entre 150/300 Kz por cada carregamento dos telemóveis. Como se isso não bastasse, não há uma rede pública de fornecimento de água, ou se existe ela não funciona, visto que a população consome a água directamente tirada do rio, com todos os riscos daí decorrentes em matéria de contracção de doenças infecciosas.
O desemprego é uma realidade que salta à vista de qualquer visitante, algo que se nota pelo número de jovens que deambulam diariamente pelas ruas do Cuango, Luremo, Cafunfo e Xá-muteba. Muitos deles dedicam-se ao garimpo de diamantes em zonas fora do controlo das empresas licenciadas para o efeito.
Fernando Vasconcelos é natural do Huambo, vive há muitos anos no município de Xá-Muteba, lamenta o facto do bairro Domingos Vaz onde reside não ter água corrente há 6 anos, motivada, segundo ele, por uma avaria no único chafariz que existia no bairro. “A população consome a água das cacimbas desde que a água do chafariz deixou de passar”.
Visivelmente inconformado, diz que o bairro não tem luz desde a independência nacional e que a iluminação de algumas casas é feita por geradores individuais. Queixa-se igualmente das deficentes condicões de saúde no hospital local que “não tem médicos e medicamentos”.
Por sua vez, Nádia Ernesto Cristóvão, gestante, alinha pelo mesmo diapasão no que diz respeito às difíceies condições de saúde, da falta de água e energia eléctrica. “O hospital não tem médicos, enfermeiros e parteiras, pelo que muitas mulheres grávidas recorrem às parteiras tradicionais”.
Jone João Luama, 48 anos, morador no bairro Quissueia, no município do Cuango, pedreiro de profissão, diz que devido à falta de emprego no seu ramo tem estado a dedicar-se ao garimpo de pedras preciosas.
Na generalidade, os jovens queixam-se da falta de oportunidades de emprego e lamentam a postura das empresas de extracção mineira que lhes terão fechado às portas, o que faz, segundo eles, virarem-se para o garimpo.
Consequência directa ou não do desemprego, o facto é que muitos populares falam de assaltos de motorizadas e de outros bens e lamentam a deficiente presença dos órgãos policiais no município.
Recentemente, a conversa dominante naquelas paragens era a fuga de 28 reclusos da cadeia local, pelo que muitos suspeitam que a mesma terá sido orquestrada.
Virgílio Albino, de 30 anos, vive em Quissueia, um dos bairros mais pobres e degradados do município do Cuango, sem escolas nem centros de saúde. Ele, à semelhança de muitos jovens, dedica-se ao garimpo para a sua sobrevivência e da sua família.
Devido à falta de escola no bairro, Filipe Jone João Loane, 12 anos, percorre diariamente mais de uma hora até à Camarianga, a localidade mais próxima que dispõe de um estabelecimento de ensino. Estuda a 3.ª classe, faz o percurso diariamente com outros adolescentes do seu bairro, e lamenta a falta de meios de transportes que poderia “ajudar a diminuir o [nosso] sofrimento diário”.
A AJUDECA, a Associação Juvenil Para o Desenvolvimento Comunitário, é a única instituição de defesa dos direitos sociais e cívicos que actua naquela região da Lunda Norte. É bastante conhecida no Cuango, pelo que os munícipes reconhecem a sua importância, visto que a mesma tem lhes ajudado a resolver os seus problemas quando confrontados com determinadas situações que requerem a intervenção desta organização.
Afonso Calhões, coordenador municipal da AJUDECA no Cuango, diz que a instituição que dirige tem feito diligências no sentido de ajudar os cidadãos a resolverem os seus problemas junto dos órgãos locais da Administração do Estado.
Mostrou-se bastante preocupado com os elevados níveis de desemprego, sobretudo entre os jovens, assim como com o aumento da delinquência. “Temos procurado influenciar as empresas mineiras no sentido de empregaram mais jovens locais, de forma a evitar que eles se entreguem ao garimpo, com todos os riscos que isso representa para as suas vidas”.
Afonso Calhões lamenta o facto de as empresas de exploração de diamantes “não estarem a cumprir com as suas responsabilidades sociais e corporativas” no que concerne à oferta de postos de trabalhos e infra-estruturas sociais. Presume que uma parte disso resulte da crise generalizada que afecta a nossa economia. As tentativas levadas a cabo para ouvir a versão das empresas mineiras não foram bem-sucedidas.
Hospital sem ambulância e com apenas um médico
Muitos habitantes das regiões diamantíferas da Lunda Norte e não só têm questionado as razões que fazem com a sua província, que é detentora inúmeras riquezas no seu subsolo, não possuir hospitais de referência e de uma assistência médico-sanitária à altura da demanda. Dói-lhes a alma saber que as riquezas das suas terras não têm sido usadas para melhorar as condições de saúde locais, mas de outras províncias, citando como exemplo as clínicas do Grupo Sagrada Esperança espalhadas em Luanda, Benguela.
Mbala Kalambaia, director clínico do Hospital Municipal do Cuango, revela que o mesmo foi construído para ser uma unidade especializada em cuidados materno infantil, mas viu-se obrigado a atender às demais áreas da saúde, nomeadamente de pediatria, a medicina e de pequenas cirurgias.
É o único médico no hospital do Cuango, que antes contava com o concurso de um cirurgião de nacionalidade coreana, mas que já não se encontra na região por razões desconhecidas. O hospital dispõe de 8 enfermeiros, metade dos quais são efectivos.
À conversa com a nossa reportagem, o médico diz que hospital do Cuango tem uma capacidade para 50 leitos hospitalares, e que faz das “triplas coração”, visto que a sua unidade de saúde não dispõe de verbas próprias, estando sob dependência do hospital do Cafunfo.
Reconhece que a unidade de saúde está no limite da sua capacidade devido à crescente procura dos seus serviços, chegando a receber diariamente entre 100 e 120 pacientes, um “número bastante elevado para a capacidade instalada”, reforça.
Diz que o hospital dispõe de dois geradores, mas que estes nem sempre estão em funcionamento devido à gritante falta de combustivel. A falta de combustível faz-se sentir mais nesta época chuvosa à conta do mau estado das vias de circulação.
Segundo o interlocutor, o hospital possui um bloco operatório, mas que devido à falta de cirurgiões trata apenas de pequenas cirurgias. “Os pacientes com patologias graves têm sido encaminhados para os hospitais do Cafunfo e de Malange”.
Mas, adverte que as transferências têm sido feitas em viaturas impróprias, visto que o hospital “não tem uma única ambulância”. “São os familiares dos doentes que têm de arranjar os meios de transporte”, reforça. Reconhece, porém, que a transferência de doentes não é uma tarefa fácil devido às péssimas condições das vias.
O médico referiu que ele não dispõe de transporte próprio e que tem feito recurso às motorizadas – táxis e que algumas vezes faz o trajecto a pé por falta de dinheiro para as suas deslocações.
Questionado sobre se as patologias que mais assolam a região, destacou a malária, sobretudo nesta época chuvosa, assim como as doenças diarreicas agudas, as parasitoses e o sarampo . Sublinha que grande parte das doenças resultam da má qualidade da água.
Em relação à disponibilidade dos medicamentos, embora reconheça a falta dos mesmos, disse que a farmácia do hospital dispõe de alguns fármacos para acudir às situações pontuais. Na maior parte dos casos passamos as receitas para os familiares comprarem os medicamentos nas farmácias”. Os medicamentos dados pelo hospital são totalmente gratuitos”.
O médico diz que há muitos factores que têm estado a contribuir para o aumento de doenças infecciosas devido à má qualidade de água utilizada pela população e das águas paradas, autênticos viveiros de mosquitos.
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Segundo o director dos Recursos Mineiros do Cuango
Empresas não têm cumprido com a protecção do meio ambiente
Com uma população estimada em cento, setenta e oito mil habitantes (178.000), o município do Cuango tem apenas uma única comuna, nomeadamente o Luremo.
Segundo o director municipal para os Assuntos Económicos, Comércio, Indústria e Recursos Minerais, Cabeia Ribeiro, o município conta com dois projectos de exploraçao de diamantes, de cariz privado, que têm as suas sedes em Luanda.
Revelou que as empresas em causa não prestam contas à Administraçao Municipal do Cuango, salvo nos casos de greve em que a esta é solitada a intervir para ajudar as partes a resolver os seus conflitos.
Questionado sobre se as empresas cumprem com as suas obrigações em matéria ambiental, Cabeia Ribeiro revelou que as mesmas nada têm feito para melhorar o ambiente. “Em Angola não há nenhuma empresa de exploração mineira que respeita as normas ambientais. Infelizmente”, alertou.
Em relação à responsabilidade social e corporativa das empresas mineiras, Cabeia Ribeiro disse que as mesmas têm a obrigação de ajudar às populaçoes em questões, sobretudo nas questões de educaçao e saúde e estradas. “Temos escolas que foram construídas pelas empresas mineiras”.
Sobre as questões de saúde, diz que as empresas possuem hospitais dentro dos acampamentos onde são atendidos os trabalhadores e seus familiares.
Cabeia Ribeiro reconheceu que a sua Admnistração não tem recebido atempadamente as verbas alocadas ao município e que isso tem comprometido a execução dos projectos sociais, nomeadamente nos domínios da educacão, energia, água e saúde.
Lamenta a exiguidade de verbas para acudir determinadas situações como, por exemplo, a terraplanagem dos troços que ligam o Cuango, Cafunfo e Luremo, com sérias implicações que isso representa na vida das populações.
A nossa reportagem ouviu algumas entidades tradicionais do bairro do Quissueia que se mostraram agastadas e revoltadas com as condições de vida nas areas sob sua jurisdiçao. Lamentaram, sobretudo a falta de energia que, nalguns casos, já dura há mais de 4 décadas, ou seja, nunca tiveram energia electrica e água corrente desde que Angola se tornou independente. Queixam-se também da falta de escolas e estradas.
O bairro da Quissueia conta com 525 habitantes, na sua maioria jovens, mas desempregados que, antes de dedicavam à agricultura. O soba Chwagunda diz que a falta de empregos tem levado à pratica do garimpo como forma de sobrevivência.
O regedor Mwacapenda Gilberto Zacarias lamenta a falta de qualidade de vida dos moradores do bairro, que não dispõe de água corrente, sendo esta forçada a consumir a “água das cacimbas”. Apela, por fim, o Governo da Lunda-Norte no sentido de prestar mais atenção às populações locais.