Cambala Cangando é, provavelmente, o bairro mais cosmopolita do Cuango onde coabitam no mesmo espaço cidadãos de distintas nacionalidades que, nos últimos anos, assentaram arraiais naquelas paragens, na sua maioria atraídos pelo brilho das pedras preciosas.
Chegamos ao bairro de pouco mais de 2 mil e 800 habitantes por via de uma estrada de terra batida, de 22 Km, depois de atravessarmos sete postos de controlo a cargo de uma empresa de segurança privada.
Os efectivos que protegem o espaço da Cooperativa de Diamantes Cabuto justificam o excesso de zelo no facto de estarmos a cruzar um «espaço reservado à exploração de diamantes».
Homens de rosto fechado e armas aperradas questionam sobre a nossa proveniência e destino. Não fosse a presença do regedor do Quisseia, Adelino Fernando Muanga, 52 anos, que nos acompanhou nessa visita guiada jamais teríamos conseguido atravessar os 7 «checkpoints», em dois dos quais só fomos autorizados a seguir viagem depois de os homens no terreno terem recebido, ao telefone, uma espécie de «ordens superiores».
Cruzamos as duas pontes de acesso ao bairro, sendo visíveis à distância os enormes buracos e crateras abertos nas bordas do rios Cuango e do seu afluente Lulu, à força dos braços dos garimpeiros, com auxílio de instrumentos perfurantes, claro! Contam-se histórias arrepiantes de garimpeiros que foram sepultados vivos por deslizamento de terras ou sucumbiram às mãos de efectivos das empresas privadas de segurança.
A outra via que permite chegar ao bairro é fluvial, ou seja, transpondo o curso de água à canoa do rio Lulu, um dos afluentes do Cuango.
À entrada do «Cambala Cangando» estão instalados dois potentes geradores que alimentam alguns casebres de pau a pique. As limitações do bolso, ou seja, o fraco poder de compra dos moradores limita-lhes o acesso à referida fonte de energia térmica, que é vendida pelos cidadãos oeste africanos, seus proprietários, a preços quase inacessíveis. Eles justificam os altos preços da energia na escassez de gasóleo.
As casas, na sua maioria feitas de adobes de barro vermelho e capim, e cobertas de chapas de zinco contrastam com as potencialidades económicas de uma região rica em diamantes. O contraste não se fica por aqui, mas também nos sinais exteriores de pobreza e modernidade, já que algumas delas têm sobre o seu tecto antenas parabólicas, e o chão do seu interior de terra batida.
À porta dos casebres alugados aos expatriados, há pequenos negócios, bancadas empilhadas de diversos produtos; no ar, a música alta e vozes em lingala, uma das línguas mais faladas da vizinha RDC. Não se tem relatos de conflitos entre os moradores locais e os estrangeiros, mas a convivência entre eles está longe de ser pacífica. Alguns moradores queixam-se dos expatriados por estes, segundo eles, estarem a incentivar a suborno, assim como a influenciar a inflação dos produtos alimentares.
O soba Domingos Monteiro Ngunza reúne os habitantes à sombra de uma árvore de grande porte. Em baluba, uma das duas línguas dominantes na região, a par do quioco, faz as devidas apresentações, mas alguns mais velhos não esboçam nenhum sinal de entusiasmo pela nossa presença. Para eles, nós seríamos os mandatados do poder para lhes enchermos de novas promessas. Suspeitam que a nossa presença estivesse relacionada com o clima pré-eleitoral que o país vive. Dizem-se cansados de tantas promessas, que, segundo eles, nunca concretizadas. O regedor Adelino Muanga, que nos serve de cicerone, acaba por desfazer os equívocos. Quebrada a resistência inicial, chegamos, finalmente, à fala com alguns habitantes.
Pinto Francisco Tchau, agricultor, 48 anos, acusa alguns estrangeiros de não respeitarem os nacionais, ao contrário do que faziam quando, nos primeiros anos, tinham se instalado na área. Acusa-os também de estarem a contribuir para a prática do suborno. «Eles têm mais facilidade em conseguir os documentos, incluindo o BI porque pagam “gasosas”», adiciona.
Diz que eles reagem mal quando se lhes pede para baixarem a música alta dos seus potentes aparelhos sonoros.
Antoninho Lulu, 58 anos, é o líder da igreja do Bom Deus, uma das oito congregações religiosas existentes naquela pequena comunidade. Figura respeitada em Cambala Cangando, enumera o número de igrejas: católica, evangélica, pentecostal, bom Deus, nova aposta, testemunhas de Jeová e a muçulmana.
A existência de vários cultos religiosos no pequeno espaço não lhe faz, pelos vistos, temer a concorrência. Para ele, a profusão de igrejas «é boa» porque surge em resposta ao apelo feito pela Bíblia para que «todos preguem livremente o evangelho de Cristo».
Lulu diz que a igreja católica tem mais fiéis no bairro e que, apesar das distintas religiões, elas convivem pacificamente, «sem choques», sublinha.
O pastor lamenta a falta de uma escola pública no local e queixa-se da deficiente, senão mesmo inexistente assistência médica e medicamentosa aos moradores.
Revela que existe apenas um enfermeiro quando deveriam ser, no mínimo, três para servir minimamente o posto de saúde local que, segundo ele, não tem meios de diagnóstico e não procede aos internamentos. «Os doentes graves têm sido transportados de motorizadas até ao rio e depois canoa quando existem condições para tal».
Em relação à falta de aulas revela que «há dois professores cujos nomes constam da folha de salários da delegação de Educação do Cuango, mas que têm dado aulas. Estiveram cá uma vez, no início do ano lectivo, e depois desapareceram», queixa-se.
Pinto Francisco Tchau alinha pelo mesmo diapasão: «Não temos estradas em condições. As crianças estão há 12 anos sem estudar por falta de professores. No começo das aulas, o director da Educação esteve aqui acompanhado de dois professores, mas estes nunca mais voltaram».
Deixa no ar a suspeita de que referidos os professores estejam a receber salários sem cumprirem com os seus deveres. Alguns dos presentes meneiam a cabeça em jeito de concordância com as suas palavras do interlocutor.