Apesar de uma série de adversidades, que vão desde a falta de energia eléctrica, a deficiente capacidade de transportação ferroviária, o mau estado das estradas, aos altos impostos cobrados pela AGT, o sector mineiro na região Sul do País sobrevive à crise económico- financeira.
Em entrevista exclusiva ao NJ, no município dos Gambos, na província da Huíla, o presidente da Associação dos Produtores, Transformadores, Comercializadores e Exportadores de Pedras do Sul de Angola (APEPA), Marcelo Siku, reconhece que a sobrevivência deve-se, fundamentalmente, ao facto de que “80% das rochas são destinadas à exportação, visto que o sector da construção civil no País está paralisado”.
Ilídio Manuel, na Huíla (Texto)
Edson Fortes (Fotos)
A entrevista decorreu num espaço aberto, sob um sol intenso, onde está localizada a mina-2 da Rodang, na comuna da Tchibemba, no município dos Gambos, a mais de 130 Km a Sul da cidade do Lubango.
Num misto de satisfação e preocupação, o presidente da APEPA reconheceu que houve um crescimento no sector nestes últimos anos, visto que, em 2004, havia apenas 3 empresas contra as 27 actuais.
O crescimento do número de empresas reflectiu-se no incremento em matéria de produção, que passou de “30 para 800 mil toneladas de rochas ornamentais/ano”, segundo deu a conhecer o entrevistado, que promete atingir a meta de um milhão de toneladas em 2025.
De igual modo, registou-se também um crescimento da mão-de-obra que actualmente emprega mais de 7 mil trabalhadores, dos quais 10 por cento possui formação superior. “Temos apostado seriamente na formação 0n job, ou seja, a que é feita nas pedreiras. Formamos trabalhadores nas áreas de corte, polimento e mecânica”, sublinha.
Segundo o interlocutor, o sector mineiro na região emprega mais de 150 estrangeiros, dentre portugueses, espanhóis e zimbabueanos. “ Na sua maioria, eles são encarregados das pedreiras ou fazem a manutenção dos equipamentos”.
Admitiu a existência de um deficit de técnicos nacionais na área de manutenção dos equipamentos e que, segundo ele, as escolas de formação não estavam a produzir técnicos de qualidade.
“ Estamos a formar jovens angolanos no Zimbabwe de qualidade inquestionável e que superam os nossos formados no país”, notou o líder associativo.
Questionado sobre a crise económico-financeira que afecta o País, de uns anos a esta parte, revelou que a mesma não se fez sentir tanto no sector mineiro, visto que “90% da produção das rochas ornamentais são destinadas à exportação, sobretudo para países como a China, Itália e Portugal”. “ Temos problemas, isso sim, com as vendas locais, visto que as muitas empresas de construção civil estão paradas, por razões de ordem financeira”, pontualizou.
Em relação às empresas chinesas que actuam em Angola no mesmo segmento do mercado, Marcelo Siku disse que os empresários nacionais não temem a concorrência, tendo para o efeito a APEPA estabelecido uma “pauta mínima”. Ou seja, um acordo com base no qual as empresas chinesas não podiam vender a tonelada abaixo de um preço previamente determinado.
Em relação à qualidade do produto exportado, o entrevistado afirmou que as empresas têm apostado em rochas de melhor qualidade devido às exigências dos importadores .
Incapacidade do CFM e mau estado das estradas
Sobre o transporte das rochas, disse que os produtores têm tido sérias dificuldades na transportação das mesmas dos locais de produção até ao porto de exportação devido à incapacidade resposta do Caminho-de-Ferro de Moçâmedes (CFM).
“ Este problema já se arrasta há muito tempo, uma vez que o CFM atravessa dificuldades no seu funcionamento, sobretudo no tempo chuvoso, por conta das restrições na circulação de comboios. “Às vezes, temos de esperar uma a duas semanas para formar uma composição de 20 vagões”, lamenta.
O presidente da APEPA diz que diante da deficiente capacidade de resposta do CFM, não resta outra saída aos produtores, senão transportar as pedras para o terminal portuário do Namibe por via terrestre. “80% da carga transportada é feita por terra”.
Segundo o responsável associativo, além dos elevados custos na transportação terrestre, o Governo da Huíla determinou que os camiões, independentemente da sua capacidade de carga, não podiam transportar mais do que uma pedra, que normalmente anda à volta das dez toneladas. “ Ainda que o camião tenha capacidade para transportar duas pedras não pode fazê-lo, por força dessa decisão administrativa”,
Marcelo Siku refere que a transportação de pedras do Cunene para o Namibe era “bastante cara”, uma situação que se agravava devido às más condições das estradas.
Revelou que a associação que dirige já tentou em diversas ocasiões reverter o quadro junto do Governo Provincial da Huíla, mas sem sucesso. “ As estradas não são reparadas há vários anos”, criticou.
Marcelo Siku disse que as empresas congregadas na APEPA pagavam com regularidade os seus impostos ao Estado. “O que mais nos preocupa são as taxas e os impostos para os fiscais, que são cobradas directamente pelo porto do Namibe, assim como a instabilidade fiscal da AGT”, lamentou.
Ainda segundo o entrevistado do NJ, a AGT, no âmbito do que ele considera “instabilidade fiscal” reduziu, no ano passado, os impostos para 1%, depois 0,5%, tendo este ano aumentado bruscamente para 5%”.
Em relação à responsabilidade social, disse que as empresas têm procurado fazer o mínimo, visto que elas estavam a lutar pela sobrevivência.
Revelou que, no âmbito da responsabilidade social, as empresas têm ajudado a construir escolas, postos de saúde e na abertura de furos de captação de água.
Queixou-se igualmente da falta da energia eléctrica nas pedreiras, tendo apelado ao Executivo para melhorar as condições das estradas e que fosse também melhorado o transporte ferroviário, de forma a reduzir os custos de produção.
Chamou a atenção para que Angola faça mais investimentos no sector para igualar os países da região que procedem à exploração das rochas ornamentais. “ Somos o país com menos condições nas pedreiras”.
Lança, por fim, o seguinte apelo: “ Não gostaríamos de ver repetido o cenário de 2023 em que algumas empresas despediram vários trabalhadores”, disse, a finalizar.
Para fazer face à crise interna do mercado
GRANISUL apostada na exportação
Localizada a 12 Km da cidade do Lubango, a Granisul é uma das empresas do grupo Socoil que se dedica à extracção e transformação das rochas ornamentais.
A empresa surgiu, de acordo com o seu director-geral, Armindo Peixoto Carvalho de Matos, da necessidade de apoiar o sector da construção civil, sobretudo à Omatapalo, uma das empresas do grupo.
Criada em 2010, a Granisul dispõe de óptimas instalações, equipamentos modernos, de fabrico italiano, sendo provavelmente os mais sofisticados da região.
“Desde a sua criação, há 14 anos, esta empresa teve sempre a sua produção direccionada para o mercado interno”, sublinha o jovem gestor, 35 anos, mestre em Relações Internacionais.
Segundo o entrevistado do NJ, a Granisul tem uma capacidade de produção instalada de 12 mil metros quadrados/mês, mas devido à pouca procura do mercado interno viu-se forçada a reduzir a sua capacidade de produção para 2/3 mil metros quadrados.
A Granisul, que se dedica unicamente à exploração do granito, emprega uma força de trabalho de 100 pessoas, dentre os quais “apenas um expatriado”, diz Armindo de Matos, que não disfarçar o seu orgulho.
Dez por cento do pessoal, sobretudo do quadro administrativo possui formação superior.
Como forma de contornar a grave crise que afecta o sector da construção civil, a empresa projecta exportar o mais breve possível os seus produtos para os distintos mercados de países da Europa e Ásia.
Além do granito, a sua empresa está a fazer a prospecção de quartzo no Namibe e de outros minerais no Cunene, de forma a diversificar a produção, assim como as exportações.
Armindo de Matos, que trocou o ramo das Relações Internacionais pelo empresariado, onde diz “possuir uma vasta experiência”, não teme a concorrência de outras empresas que actuam no mesmo segmento do mercado.
“ Somos a empresa da região que apresenta melhor qualidade dos produtos, assim como os melhores preços. Desde a sua criação, a Granisul esteve sempre focada no mercado nacional, mas agora, temos a necessidade urgente de exportar os nossos produtos para garantir a nossa sobrevivência”, afirma esperançoso.
Revelou que a sua empresa possui três pedreiras, nos municípios da Chibia, Matala e Caraculo, no Namibe, e que tem dado preferência ao recrutamento da mão-de-obra local, a quem lhes tem sido dada formação on job.
Em matéria de responsabilidade social, diz que o grupo Socoil, no qual faz parte a Granisul, para além de apostar na empregabilidade, tem ajudado às populações nas localidades onde opera com a “construção de escolas e furos de água”.
Chamado a comentar sobre os factores que têm estrangulado o desenvolvimento da actividade mineira na região, Armindo de Matos apontou as constantes desvalorizações da moeda nacional, o excesso de tributação da AGT, a dificuldade de aquisição de consumíveis, a falta de energia eléctrica da rede, água.
Revelou, a finalizar, que a sua empresa não tem dívidas para com aos bancos, lamentou os altos juros que eles cobram, tendo apelado novamente à sensibilidade da AGT no que diz respeito à tributação, sob pena das empresas “ não sobreviverem à crise e com todas as consequências negativas daí decorrentes”.