Potencialmente rico em diamantes e recursos hídricos, o município do Cuango, na província da Lunda Norte, é, paradoxalmente, pobre, onde falta tudo ou quase tudo. As riquezas entranhadas no seu subsolo e nos leitos dos rios são uma prova de que nem sempre a riqueza traz felicidade aos povos, sobretudo africanos.
(textos) Ilídio Manuel e João Faria. (fotos) Edson Fortes
À entrada do município sede, uma pequena cascata reduz a correnteza das águas no leito do Cuango, o majestoso rio que empresta o seu nome a um dos dez municípios da província da Lunda Norte. Neste troço, o rio descreve a última curva antes de alcançar a ponte que divide os municípios do Cuango ao de Xá Muteba.
Numa extensão de 1.100 km, o Cuango, que nasce na vizinha província da Lunda Sul, corre veloz em direcção à República Democrática do Congo, país com o qual faz fronteira. No país vizinho junta-se ao Cassai para depois desaguar no caudaloso rio Congo ou, se preferirem, Zaire.
No rio há maciços de pedras sobrepostos que se assemelham a pequenas ilhas salpicadas no leito do Cuango. Sobre um dos maciços, a OSAID, uma empresa de diamantes, instalou dragas para a exploração de pedras brilhantes que são alimentadas por geradores que, de quando em vez, deixam escapar o gasóleo e óleo para a água.
À volta da minúscula «ilha» de pedra, um bote e trabalhadores mineiros, dentre os quais mergulhadores, submergem, de quando vez, nas profundezas do rio para testar a qualidade do cascalho.
Mas, os maiores sinais de poluição ambiental provêem das águas barrentas, ou seja, não recicladas que são devolvidas ao rio pelas lavadeiras das empresas e dos garimpeiros que exploram os diamantes ao longo do Cuango.
Noutras pequenas «ilhas» sedimentadas de pedra, as mulheres, acocoradas, lavam peças de roupas que depois são estendidas sobre as pedras. Um pouco mais baixo do local, há homens, mulheres e crianças a acarretar água directamente do rio.
A vida dos 64 mil habitantes do município do Cuango gravita em torno do rio para o abastecimento de água, a pesca, lavagem de roupa e extracção de diamantes, sobretudo por parte de jovens garimpeiros, devido à falta de empregos.
Nas duas bordas do rio, algumas jovens de banham-se e os petizes atravessam o Cuango a nado, tirando proveito do baixo caudal do rio que se regista neste período de estiagem.
Por esta altura do ano, sem as grandes chuvas, o rio cultiva uma relação quase que pacífica com os habitantes locais, permitindo-lhes que lhe explorem ao máximo as suas potencialidades.
Na época das enxurradas, o cenário muda, há um enorme risco de os habitantes abeirarem-se às margens do Cuango, sobretudo quando os níveis da água sobem e ameaçam arrastar tudo à sua passagem, incluindo a ponte.
Apesar do enorme potencial hídrico que o rio oferece, o Cuango não dispõe, paradoxalmente, de água corrente nas torneiras das habitações, não há fontenários públicos, pelo que a maioria da população consome a água captada directamente dessa fonte abastecedora, com todos os riscos que isso representa para a saúde pública.
«Aqui, só há água nas torneiras quando recebemos a visita do governador ou de outras entidades do Governo central» segreda-nos um jovem activista social, que, por razões óbvias, pede para não ser identificado.
Visivelmente revoltado e, de dedo em riste, aponta para o local onde estão montados os equipamentos para a captação e tratamento de água, mas sem qualquer serventia para os habitantes do Cuango.
Sobre a questão da poluição procuramos saber junto do Ministério do Ambiente, em Luanda, se tem conhecimento de que as empresas exploradoras de diamantes não têm reciclado a água que devolvem ao rio, depois da lavagem do cascalho, assim como o se o referido órgão tem fiscalizado as actividades das empresas mineiras.
O director nacional do Ministério Ambiente, Nascimento Soares, do foi muito vago nas suas respostas, deixando transparecer que desconhecia a situação no terreno.
Socorrendo-se da legislação vigente limitou-se a dizer que «por norma, as empresas devem elaborar um estudo de impacto ambiental onde nele constam as medidas de mitigação que irão obviamente acautelar, de forma a proteger o meio ambiente».
Sem responder directamente à pergunta sobre se o órgão de tutela tem procedido às inspecções regulares e penalizado os infractores, o quadro superior do Ministério do Ambiente prometeu que seriam feitas diligências no sentido de apurar as nossas denúncias.
As tentativas de ouvir a versão das autoridades locais não foram bem-sucedidas. O administrador municipal e seus adjuntos estavam na altura ausentes do município. No seu lugar, o 1.º superintende da Polícia Nacional Abreu Muaco fazia a vez de administrador, mas, conforme alegou à nossa reportagem, não estava «autorizado para dar entrevistas».