O recurso ao garimpo de diamantes é uma das saídas que muitos jovens do bairro Quissueia, no município Cuango, encontraram para colmatar a falta de empregos, mas há poucos relatos de casos de sucesso. Abandonadas à sua sorte, há muitas mães solteiras que fazem o duplo papel de mães e pais.
(textos) Ilídio Manuel e João Faria (fotos) Edson Fortes
Tem o rosto precocemente envelhecido, não pelo peso da idade, mas pelas agruras da vida que carrega às costas.
Aos 21 anos, Domingas Delfina Calunga, corpo franzino, tem 5 filhos, tendo gerado o primeiro aos 11. “Foi uma gravidez de alto risco, fui operada”, recorda, com alguma tristeza estampada nos olhos, como se estivesse a tocar numa ferida mal sarada.
Conta que viveu com o pai das crianças em Cafunfo, “ durante vários anos”, mas que este a abandonou em casa, com os 5 filhos, trocando-a por outra mulher com quem foi viver para outra localidade “muito distante”. Abandonada, não teve outra saída, senão regressar ao Quissueia, ao bairro onde nasceu, e hoje vive com a sua mãe, que lhe ajuda no sustento das crianças. “ Não sei o que seria de mim e dos meus filhos se não fosse a minha mãe”, reconhece.
Evita falar do pai dos seus 5 rebentos, a quem acusa de não prestar ajuda no sustento das crianças. Diz que já recorreu a todos o meios ao seu alcance, mas sem sucesso, como que rendida à evidência dos factos. Ou, por outra, conformada com a sua triste sina de uma mãe solteira que faz o duplo papel mãe e pai.
A camponesa Domingas Calunga lamenta o facto de não ter os seus filhos a estudar por falta de escola no Quissueia e queixa-se da ausência de um posto de enfermagem no bairro, o que a obriga a recorrer, em caso de doença, ao hospital municipal do Cuango que dista a 4 quilómetros do local.
“O transporte de motorizada até ao município sede custa 600 kwanzas devido ao litro da gasolina que está a 1000 Kz. Muitas das vezes, vamos a pé por falta de dinheiro”, afirma.
Mas nem tudo na vida de Domingas Calunga são tristezas. Ela reconhece, com alguma satisfação, que o programa Kwenda de auxílio aos mais carenciados tem lhe ajudado a resolver alguns dos seus inúmeros problemas. “Recebo de 3 em 3 meses 25 mil Kz. Não é muito, mas dá para resolver alguns problemas”, explicou.
Questionada sobre se o administrador municipal tem visitado o bairro, a moradora diz que ele nunca lá apareceu, mas “ manda lá os seus colaboradores”.
No “Quissueia”, um bairro que dista a 3 quilómetros do município sede, ao qual se alcança por uma estrada esburacada, são evidentes os sinais de pobreza entre os mais dos seus 400 habitantes.
Joaquim Campos Cambolo nasceu neste bairro há 29 anos. Confessa que já foi garimpeiro, uma actividade que, segundo ele, não “garante o futuro”. Diz que agora faz biscates na agricultura e quando tem disponibilidade vende os produtos do campo. É pai de três filhos.
“Já fiz garimpo, mas não melhorou a minha vida. Foi uma grande perda de tempo”, confessa. E vai mais longe: “trabalhávamos muito, cavávamos os buracos, mas nem sempre conseguíamos. As pequenas pedras que conseguíamos só davam para aguentar a vida por pouco tempo” reconhece.
Joaquim Cambalo lamenta a falta de empregos e oportunidades para os jovens. Queixa-se também da falta de lazer para a juventudee faz uma surpreendente revelação: “O campo onde jogávamos à bola tornou-se impraticável porque alguns jovens andaram a cavar o espaço à procura de diamantes”. E adiciona, com alguma tristeza estampada nos olhos: “Hoje, não temos campo para jogar à bola”.
Como resultado da falta de empregos, diz que muitos jovens alimentam o sonho de obter algo por via do garimpo de pedras preciosas.
Acredita que o quadro poderá mudar depois das eleições 2022.“Tenho esperança que vou conseguir emprego, depois das eleições”, mostra-se esperançoso.
Por sua vez, o jovem Congo João Cambongo, 20 anos, diz que trabalha na lavra e que nunca praticou o garimpo.
Queixa-se do mau estado da via que liga o bairro ao município sede, da falta de água, luz, de escolas e de um posto de saúde.
Diz que o bairro não dispõe de um fontenário público e que o bidão de água de 20 litros tem sido vendido a 200 Kz.
Mostra-se agradecido com o programa Kwenda que, segundo ele, tem-lhe ajudado a “resolver alguns problemas”. Em relação ao Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) diz que nunca ouviu falar desse programa de intervenção nos municípios.
Adelino Fernando Menga, 52 anos, é regedor do Quissueia desde 2013 e tem sob seu controlo treze (13) sobas e quatro (sobetas). Chegou ao trono por via sucessória, sendo uma figura bastante respeitada no bairro, que conta com uma população de quatrocentos e vinte (420) moradores. No total, a regedoria conta com cinco mil e setecentos e setenta (5 770) habitantes.
Diz que a população do bairro vive da agricultura familiar e queixa-se da falta de estradas que, segundo ele, condicionam à circulação de pessoas e bens.
“A estrada que vai até ao município sede encontra-se num estado lastimável, tornando-se quase intransitável durante o tempo das chuvas”, lamenta o regedor, que adiciona: “Os doentes graves têm sido levados para o hospital do Cuango de motorizada, o que agrava o seu estado de saúde”.
Depois de admitir que o bairro “tem muitas mães solteiras”, o regedor revela que há crianças que percorrem diariamente três quilómetros a fim de frequentarem as aulas no município sede.
Em relação ao Kwenda, sublinha que o Quissueia foi o primeiro bairro a beneficiar do programa governamental que, em sua opinião, considera um valor “razoável”. “ Não é muito nem é pouco” remata.
Adelino Menga revela que pelo Cuango já “passaram entre cinco e sete administradores, mas que nunca recebeu a visita de nenhum deles.
O regedor acredita que muitos dos problemas do bairro seriam resolvidos caso fossem implementadas as autarquias, sem deixar de criticar a postura das empresas de exploração de diamantes que deixaram de honrar com as suas responsabilidades sociais.