Atraídos pelo brilho do ouro, milhares de garimpeiros tomaram de assalto os leitos de rios e o sopé das montanhas do M´bave, uma localidade que dista 62 Km da cidade do Huambo, onde procedem à extracção artesanal e ilegal do precioso mineral.
Com o auxílio de objectos contundentes abrem diariamente profundas crateras e abatem árvores em redor, o que configura crimes ambientais de graves consequências para as actuais e futuras gerações.
Ilídio Manuel (textos)
Edson Fortes (Fotos)
As escarpas esverdeadas da cadeia montanhosa do M’bave, uma das três comunas do município da Tchicala Tcholohanga, na província do Huambo, descem suavemente sobre o vale do keve, que se abre numa espécie de banheira.
A imponente cordilheira faz-nos recuar no tempo, trazendo à memória o fatídico dia 19 de Janeiro de 2008, quando uma pequena aeronave da empresa Tropicana, na qual viajavam o empresário angolano Valentim Amões e mais de doze passageiros, dentre os quais dois empresários lusos, embateu contra uma das montanhas circundantes. Ninguém sobreviveu à queda do avião que estava a poucos minutos do aeroporto Albano Machado, na cidade capital do Planalto Central.
À boca pequena, diz-se que o malogrado «patrão» do Grupo Valentim Amões (GVA) terá sido um dos responsavéis pelo acidente, por alegadamente ter dado “ordens” ao piloto para que ele baixasse em demasia o avião, de forma a permitir que os demais ocupantes, mormente os empresários portugueses, enxergassem as potencialidades agrícolas e minerais daquela região.
Verdade ou mentira, o facto é que o pequeno Beechcraft-200 chocou contra uma das montanhas do M´Bave, uma pequena e quase desconhecida localidade que rapidamente saltou para as páginas dos jornais e noticiários das televisões de todo mundo. Infelizmente, por trágicos motivos!
Localizada a 42 Km do Huambo, a comuna do Mbave, à semelhança do Samboto, tem atraído muitos forasteiros ou, por outras palavras, garimpeiros, sobretudo depois da recente repressão à extracção ilegal de diamantes e de outros minerais na vizinha província do Bié.
Fonte da Administração do município da Tchicala Tcholohanga estima em mais de dois mil indivíduos, dentre homens e mulheres, que migraram para as margens dos rios, em busca do precioso metal.
Chega-se à aldeia de Catete, que dista aproximadamente 20 Km da comuna sede, por um troço de terra batida, povilhado de buracos e lama vermelha.
O rio Uambata, que serpenteia entre as montanhas do M´bave, assim como o riacho da Napupa foram convertidos em minas a céu aberto de extracção do ouro, numa região que, no passado da colonização portuguesa, foi uma das mais prósperas em matéria de agricultura.
À entrada da aldeia são ainda visíveis os sinais da presença colonial naquela região do antigo colonato do vale do Keve, não obstante o estado avançado de degradação de uma dezena de casas de construção definitiva, da pequena igreja, escola e de um tanque de água.
Por falta de chuvas, o caudal do rio estava baixo, o que, segundo os garimpeiros no terreno, lhes facilitava o trabalho e reduzia os riscos de afogamento.
No leito do rio Uambata há um muro de cimento do que terá sido uma pequena represa para a contenção da águas e, provavelmente, fonte de geração de energia.
Entre os enormes buracos abertos à força dos braços, com ajuda de picaretas, pás e outros objectos contundentes, sobressaia um jovem de 22 anos, que pelo seu dinamismo chamou a atenção da equipa de reportagem do NJ.
Ele, que falou na condição de não ser identificado, disse que concluiu há um ano o curso médio de enfermagem, mas por falta de vagas no sector, não teve outra saída, senão o garimpo de ouro, uma actividade que, segundo revelou, já faz “há alguns meses”.
Natural do Huambo, o jovem, que opera equipamentos artesanais para a extracção do ouro justifica a sua acção com o argumento de que não tinha outra forma para o seu sustento e da sua família. “ Faço este trabalho duro por extrema necessidade”, ajunta.
O interlocutor do NJ articula bem as palavras, tem uma boa retórica, dicção e um discurso fluido, fazendo a diferença entre os demais garimpeiros que dia sim, dia também, esventram as entranhas do leito do rio Uambata.
Confessa que caso tivesse uma oportunidade para ganhar a vida de “forma legal”, teria largado o garimpo e escolhido uma profissão que lhe permistisse viver, “sem sobressaltos e sem o coração na mão”.
“Quando a polícia aparece, temos de largar tudo e fugir para não sermos apanhados”, refere. Diz-se sorteado por nunca ter sido perturbado pela polícia, mas que já teve colegas seus que foram detidos devido à extracção ilegal de ouro.
Admite que não hesitaria em trabalhar numa empresa legal de extracção de inertes para não “andar a fugir sempre da polícia, mas trabalhar com segurança”.
Disse que o trabalho que fazia era de grupo e que no final de cada mês cada elemento ganhava à volta dos 80 mil KZ. «O trabalho é duro! Durante uma semana recolhemos o cascalho para depois ser lavado e peneirado, até conseguirmos o ouro”, explica, ao mesmo tempo que fazia uma demostração de como se obtinha o precioso mineral.
Questionado sobre se estava consciente dos danos que a sua actividade causava ao meio ambiente, disse que sim, mas justificou, afirmando que não tinha outra forma de contornar o desemprego e a fome.
Pediu, por fim, que o trabalho que fazia fosse legalizado por via de cooperativas, ainda que para tal tivesse de pagar impostos ao Estado.
Dionísia Nuandi Antunes, 23 anos, natural da Caála, é uma das jovens que fixou residência temporária na aldeia de Catete, depois de ter sido atraída pelo brilho do ouro.
Diz que chegou ao M´bave há alguns meses porque ouvira dizer que no local, onde assentara arraiais, podia ganhar “ entre os mil e dois mil Kz por dia”.
Mãe solteira de dois, diz a jovem que fez o curso de professores, mas devido à falta de emprego no ramo em que se formou, aliada à incapacidade de sustentar os filhos decidiu “arriscar a vida” naquelas paragens.
Dionísia não usa a força dos seus braços para cavar a terra, mas, com auxílio de uma peneira, executa a tarefa de lavar e filtrar o cascalho, um trabalho extenuante e que, segundo ela, exige “muito paciência”, avisa.
Segundo a entrevistada do NJ, ela ganha em média entre os 4 e os 6 mil Kz/dia, dinheiro que reparte com a pessoa que lhe ajuda na lavagem do cascalho.
Reconhece que graças à extracção do ouro tem conseguido alimentar a sua família e segreda, com alguma satisfação, que já conseguiu comprar um terreno na sua terra natal.
Apesar de estar consciente dos danos que a sua acção ilegal causa ao meio ambiente e na poluição das águas dosrios, a jovem espera que a activade de extracção venha a ser autorizada para, segundo ela, garantir o sustento dos seus filhos e progenitores, um dos quais “ doente e cego”.
José Nassule, 38 anos, tem sete filhos, diz ser agricultor, mas sem meios para desenvolver a actividade agrícola por falta de adubos. Justifica a sua presença no local com a necessidade de arranjar “ algum dinheiro” para comprar um saco de adubo que, segundo ele, custa 48 mil Kz.
Questionado sobre se os seus filhos estavam a estudar, revelou que apenas 3 três frequentavam a escola, porque os demais eram muito pequenos.
Sem que lho perguntassem, apontou em direcção a um edifício bastante degradado e envelhecido pelo tempo como sendo a escola onde estudam os seus rebentos.
À pergunta se a escola tinha carteiras, respondeu com um categórico “não”, tendo acrescentado que os alunos sentavam sobre os adobes.
Numa das margens do rio, a reportagem do NJ deu de caras com Felicia Rosa, 42 anos, que vendia pacotitos de gingumba.
Confessa que não foi à procura de ouro, mas para fazer negócio, a fim de “ conseguir algum dinheiro para comprar “ um pouco de sabão e sal”.
Rosa disse que é camponesa e que tem 6 filhos, alguns dos quais deixaram de estudar por falta de dinheiro.
Ela, que vive numa das aldeias próximas, mostrou-se pouco confiante numa boa safra para o presente ano agrícola devido ao “atraso das chuvas e da falta de abubos”.
Administrador adjunto do Mbave reconhece:
“A população tomou de assalto às áreas de exploração do ouro”.
Rodeada de grandes montanhas, a comuna do Mbave possui um clima aconchegante e uma vista panorâmica agradável.
Com uma população de 12 mil e 613 almas, a pequena localidade não possui luz da rede pública, apesar de os cabos de alta de tensão de energia eléctrica cruzarem os céus do M´bave em direcção ao município vizinho do Bailundo. Em relação à água, o administrador adjunto comunal, Evaristo dos Santos Cachiaia, afirma que a mesma não tem faltado.
Nenhuma das ruas da comuna é asfaltada e das acções visíveis do PIIM sobressai uma escola de 12 salas e um posto de saúde que estão em construção.
Segundo o entrevistado, a comuna possui terras férteis, vários cursos de água e os camponeses estão motivados para desenvolver a agricultura, mas limitados pela falta de insumos, sobretudo fertilizantes.
Evaristo dos Santos Cachiaia admite que o M´bave tem vivido dificuldades no escoamento dos produtos do campo para os centros urbanos.
“ As vias de acesso às cooperativas e escolas agrícolas limitam à circulação de pessoas e bens”, reconhece, ao mesmo tempo que adverte para a necessidade da reposição de 4 pontes que ligam a comuna ao município sede do Huambo.
Queixa-se da falta de energia eléctrica na comuna e mostra-se, por outro lado, esperançado de que as obras da escola em construção venham a ser em breve concluídas.
Aproveitou a acasião para apelar às autoridades a quem de direito para a instauração de pára-raios na comuna que, segundo ele, não possui esse tipo de equipamentos de prevenção das descargas eléctricas.
Segundo o NJ apurou, as obras da escola tiveram início em 2012, no âmbito do Programa de Investimentos Públicos, mas devido aos vários constrangimentos de ordem financeira, as mesmas não foram concluídas, tendo o PIIM dado continuidade à excução do projecto escolar.
Em relação ao garimpo de ouro, Evaristo Cachiaia disse que a administração comunal “está a par da situação”, tendojá accionado os mecanismos afins para estancar o fenómeno, mas nem sempre com o sucesso desejado, por se tratar de uma área bastante porosa. “ A polícia tem ido às zonas de garimpo e feito detenções, mas volvido pouco tempo, os garimpeiros voltam ao local”.
Segundo o entrevistado do NJ, a população invadiu a zona do vale do Keve, depois de a mesma ter tomado conhecimento de que uma empresa iria proceder à prospecção de ouro na zona.
Na margem esquerda do rio Uambata, próximo a única escola lá existente, que foi construída no tempo colonial, a empresa Ravaela ergueu um edíficio, que é protegido por seguranças privados, mas que se mostram impotentes para travar as acções de garimpo.
Geólogo Amarildo Cavinda ao NJ
Extracção deve ser precedida de estudos de impacto amiental
Amarildo Cavinda, geólogo de profissão, com experiência no sector mineiro, afirma que” toda e qualquer exploração mineira causa impacto ao meio ambiente e muito mais quando não tem um acompanhamento geológico”.
No caso concreto do ouro que, segundo ele, é considerado um metal pesado, dentre os vários impactos causados, o entrevistado do NJ destacou os seguintes: contaminação do solo e da água assoreamento de rios, poluição do ar, redução da biodiversidade, o aumento da turbidez e variação da qualidade da água provocando a alteração do seu pH (a água pode ficar mais ácida).
O geólogo defende que a exploração de inertes deve ser precedida de estudo de impacto ambiental, visto que “qualquer movimento na terra deve obedecer às regras ambientais”.
Revelou que os geólogos não têm sido chamados para emitir o seu parecer sobre a exploração de inertes ou, se ocorre, tem sido de “forma esporádica”. “Infelizmente grande parte dessa exploração é feita por cooperativas ou pequenos grupos organizados”, lamenta.
Sobre as consequências da agressão ao meio ambiente, enumerou as seguintes: perda da qualidade de vida das sociedades humanas, extinção das espécies nativas de animais e plantas e alteração dos padrões climáticos globais e regionais, surgimento de várias doenças e epidemias, diminuição da cobertura vegetal e das fontes de água”.
Questionado sobre as ravinas, admitiu que as mesmas ocorrem como resultado do desmatamento ou de escavações que levam a grandes acumulações de água, pelo que defende a exploração sustentável dos recursos naturais.
À pergunta sobre se a falta de empregos justificava a prática do garimpo, Amarildo Cavinda disse que “ não justifica”, embora entenda a necessidade que lhes leva a praticar tal ato, mas “como profissional da área, devo combater a ilegalidade e defender um exploração sustentável de maneiras que não venham a prejudicar ou destruir a natureza, preservando e evitando o máximo possível qualquer impacto negativo ao meio ambiente”.
O geólogo diz que não é aceitável que os próprios garimpeiros coloquem em risco as suas vidas, pelo que toda a exploração “deveria ser legal para que sejam cumpridas as normas estabelecidas, principalmente o compromisso social que deve ser observado por toda e qualquer entidade ou instituição que tenha algum interesse em explorar a terra”.
Joaquim Isaac, médico especialista em Infecciologia
Clínico adverte sobre as váris doenças causas pelo garimpo do ouro
O médico Joaquim Isaac, que trabalha no Hospital Central do Huambo, considera que a exploração irracional de inertes nos leitos dos rios causam problemas ambientais e da contaminação dos rios que, por sua vez, são veículos de transporte de agentes patogénicos de transmissão hídrica.
“A poluição ambiental pode desencadear infecções de foro pulmonar como, por exemplo, a pneumonia, assim como as doenças gastrointestinais , por via do consumo da água contaminada ”, adverte.
O clínico especialista em doenças infecciosas revela que a “ contaminação por metais pesados vão, em primeira instância, sobrecarregar o normal funcionamento dos rins levando-os à falência ou insuficiência renal. Pode ter também repercussões de natureza cerebral ou propiciar o surgimento de doenças neoplásicas, os chamados cânceres”
Apela, por fim, ao fim de práticas ilegais que ponham em causa as agressões ao meio ambiente e que possam provocar danos à saúde humana.