NJ na rota do ouro (FIM): Extracção de ouro no rio Cunene opõe camponeses à Empresa Mineira do Samboto

A exploração de ouro nos leitos dos rios Cunene e Samboto, no município da Tchicala Chiloanga, na província do Huambo, constitui o pomo de discórdia entre os camponeses e uma empresa que actua nesse segmento do mercado.

Para os camponeses, a Empresa Mineração Samboto está a extrair o ouro de forma “ilegal” e a provocar danos ambientais, mas o  Ministério de tutela considera que a mesma tem actuado nos marcos da lei, contrariando à Administração comunal que afirma, por sua vez, que a empresa possui apenas uma liçenca de prospecção e não de exploração de inertes.

Ilídio Manuel (Textos)

Edson Fortes (Fotos)

 

A aldeia da Tinguita, que dista 93 Km da cidade capital do Huambo, passou, nestes últimos anos, a figurar no roteiro dos garimpeiros do ouro que aportaram aquelas paragens em busca do precioso mineral para a sua comercialização.

Percorrer os quase 100 Km que separam a cidade capital do Planalto Central ao Samboto é um autêntico martírio, senão mesmo uma aventura, sobretudo nesta  época chuvosa à conta dos vários buracos, crateras e ravinas abertas pela força das águas pluviais.

A ligação entre esta comuna e a do Sambo está cortada desde 2018, altura em que houve uma ruptura da ponte. A travessia faz-se por canoa ou de carro num ponto de menor correnteza do rio Cunene.

Em circunstâncias normais, ou seja, com uma estrada em boas condições, o trajecto não levaria mais de uma hora, mas devido às péssimas condições da via, o percurso faz-se em 4 longas e penosasa horas.

O Toyota Land-Crusier, vulgo “18 províncias”, a viatura no qual seguimos viagem, “gemia “ quando, à sua passagem, batia com alguma violência nos buracos, ou partinava e dançava na lama vermelha.

Entre os habitantes da Tinguita, sobretudo no seio dos camponeses,  há um sentimento de revolta e raivas surdas, não só contra a empresa de mineração, como também sobram  críticas às autoridades locais por supostamente não estarem a defender devidamente os interesses dos aldeões.

Adriano Paco, 62 anos, agricultor, natural do Samboto, é um dos rostos da revolta. Conta que tudo começou em 2018, quando surgiu a empresa de mineração para proceder à prospecção de ouro nos leitos dos rios Samboto e Cunene.

 

Diz que na altura, a empresa apresentou à Regedoria da aldeia da Tinguita uma autorização de prospecção, tendo feito o compromisso de realizar, já na fase de exploração, uma série  de accções sociais de mitigação, tais como a reposição de solos, o melhoramento das vias de acesso, a construção de escolas e postos de saúde.

O entrevistado do NJ diz que ninguém da Redoria foi informado sobre os resultados dos trabalhos de prospecção,  e que no ano seguinte, ou seja, em 2018, a empresa transportou para o local várias máquinas e uma giratória, tendo começado a  extrair o ouro.

A empresa, que tem ao seu serviço vários trabalhadores chineses, é acusada de ter destruído várias lavras nas bermas dos rios, colocando quantas quantidades de lamas negras sobre as plantações.

A acusação de destruição e contaminação do meio ambiente é corroborada pelo agricultor André Canganjo, 72 anos, que viu igualmente a sua lavra destruída devido aos inertes tirados das entranhas dos rios.

Visivelmente inconformado, o camponês  acusa a empresa mineira de ter contaminado a água, assim como a responsabiliza pela morte de grandes quantidades  de peixe, sobretudo no rio Cunene”.

Adriano Paco revela, por outro lado, que, no início das suas actividades, a referida empresa começou por recrutar a mão-de-obra local, mas  devido aos “ péssimos salários, ao tratamento desumano,  à má alimentação e à falta de cuidados de saúde” muitos trabalhadores viram-se forçados a abandonar os seus postos de trabalho.

Adriano Chombossi,  52 anos, que vive do cultivo da terra, queixa-se igualmente dos danos que sofreu na sua lavra às mãos da citada empresa.

Diz que a Empresa Mineração Samboto nunca fez nada em prol das populações locais, à excepção da reparação da estrada em 2020, quando a antiga governadora do Huambo, Joana Lina, efectou uma visita de trabalho àquela localidade.

«A empresa limitou-se a tapar os buracos para passar a ideia de que estava a fazer alguma coisa a favor das comunidades. Foi apenas para impressionar», denúncia, em jeito de conclusão.

Segundo o entrevistrado, de lá para cá, não foi realizada mais nenhuma actividade digna desse nome para mitigar os efeitos da exploração de inertes.

Durante a reportagem chamou a atenção aos repórteres do NJ  o facto de a Polícia Nacional ter instalado um posto policial à entrada do estaleiro onde residem os expatriados chineses.

Soube-se que o ouro, depois de extraído dos rios, tem sido levado para aquele local para o seu devido tratamento.

Adriano Paca mostra-se surpreso pelo facto do posto policial ter sido instalado no centro da aldeia, onde “vive a população, e não à entrada do estaleiro dos chineses, que fica a 3 Km  da aldeia da Tinguita”.

Alega que a presença policial naquele local não faz sentido, visto que os operários chineses já beneficiavam  da protecção de uma empresa segurança privada, que possui “homens fortemente armados”.

A presença de efectivos da Polícia Nacional adensa as suspeitas de que a empresa de mineração seja propriedade de elementos afectos às forças de defesa e segurança ou de figuras ligadas à governação.

As tentativas de obter o contraditório junto da referida empresa não foram bem-sucedidas possível, tendo a viatura que transportava os repórteres  sido travada à porta do estaleiro por efectivos da empresa de segurança privada, de armas aperradas.

Administrador sem poderes para inspeccionar a extracção

Victor Chitangui está à frente da administração do Samboto há dois anos, o que significa que antes de ele ocupar o cargo de responsável máximo da comuna já se procedia à extracção de ouro.

Com uma população estimada em 40 mil e 700 almas, a comuna do Samboto é potencialmente agrícola e rica em minerais, sobretudo o ouro.

Questionado sobre a legalidade da empresa de mineração, diz que teve acesso aos documentos que apenas  autorizavam a mesma a efectuar os trabalhos de prospecção e não de extracção do precioso metal.

Confirma as denúncias dos camponeses segundo as quais as suas nacas, ou seja, lavras nas margens dos rios foram destruídas como resultado da extracção de ouro por parte da empresa em causa.

Lamenta o facto de a empresa não estar a honrar com as suas promessas no que diz respeito à responsabilidade social.

Segundo o responsável comunal, os camponeses cujas lavras foram destruídas à conta da actividade de mineração foram ressarcidos, mas “ com valores monetários bastante irrosórias”.

O responsável comunal considera mesmo que houve um esbulho de terras e uma imposição da vontade por parte da empresa sobre os camponeses.

Diz que já se reuniu com elementos afectos à  citada empresa no sentido de a mesma efectuar alguns trabalhos de mitigação, sobretudo a reparação das vias de acesso à Tinguita.

Victor Chitangui reconhece que tem os seus poderes limitados, que consegue visitar às instalações da empresa, mas “sem poder para inspeccionar as actividades por ela desenvolvida”.

Criticou o facto de a empresa em causa não recrutar prioritariamente a mão-de-obra local, ou seja, de jovens do Samboto, optando por trabalhadores de outras áreas fora do município.

Ministério dos Recursos Minerais diz que a empresa está autorizada a explorar o ouro

Confrontado com o assunto, o Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás (MIREMPET) confirmou a existência da Empresa Mineração Samboto e que a mesma está “ legalmente autorizada, desde 2018, inicialmente com o título de prospecção, tendo evoluído em 2019, para o título de exploração de ouro».

Segundo o mesmo órgão governamental, a referida empresa nunca chegou a operar de “forma plena” devido à invasão da sua área de exploração pelos garimpeiros, que “depredaram quase a totalidade das reservas minerais que foram determinadas durante os trabalhos de prospecção”.

De acordo com o Gabinete de Imprensa e Comunicação Institucional do MIREMPET, a Empresa Mineração Samboto resultou de uma parceria entre empresários nacionais (todos da província do Huambo) e investidores chineses, sem contudo apontar os nomes dos angolanos que actuam nesse segmento do negócio.

O órgão em causa acredita que os garimpeiros estejam a ser patrocinados pelas “autoridades tradicionais, cidadãos estrangeiros e pessoas ligadas a certos partidos políticos da oposição”. Não apontou os nomes dos partidos políticos que estariam por detrás de tais acções.

Em relação às queixas feitas por camponeses que davam conta de que as suas plantações nas margens dos referidos rios tinham sido destruídas por acção dessa empresa, o órgão ministerial diz que nunca foi formalmente notificado pelos supostos lesados.

“Nunca fomos formalmente notificados, até porque não faz sentido pelo facto de ser um projecto tecnicamente falido. Não há operação em virtude de os locais descobertos terem sido tomados por garimpeiros» refere o MIREMPET.

Sobre as queixas feitas por populares, segundo as quais a Empresa Mineração Samboto não tem estado a honrar com as suas responsabilidades sociais, sublinha o mesmo gabinete que, no passado, a empresa desenvolveu algumas acções sociais, mas já não deu sequência aos trabalhos, pelas razões atrás apontadas.

“Por exemplo, em 2019, a forte chuva que ocorreu naquela região provocou a destruição da ponte sobre o rio Cunene, tendo isolado as localidades de Gandavira e Samboto, e consequentemente a ligação à cidade do Huambo.

 Recorda que a reabilitação da ponte foi feita pela empresa, que “ usou todos os seus recursos, sem qualquer participação das estruturas públicas”. Ainda em defesa da referida empresa, afirma que a mesma desenvolveu acções junto à Administração da Tchicala Tcholoanga, tendo inclusive  apoiado às comunidades com entrega de bens materiais”, sublinha o órgão ministerial.

Questionado sobre os meios de fiscalização, a fonte afecta ao MIREMPET revelou que o seu Ministério e a Agência Nacional de Recursos Minerais (ANRM) possuem alguns meios, mas “não são suficientes”.

Revelou que a fiscalização das actividades mineiras é uma tarefa repartida entre o Ministério, ANRM e os governos províncias (neste caso, para os materiais de construção).

À pergunta sobre as medidas que têm sido tomadas em situações anómalas que violam o Código Mineiro, respondeu que “ há sempre uma imediata intervenção do MIREMPET, através das suas Direcções e dos seus órgãos superintendidos. A actuação é feita de acordo  com a Lei, no âmbito das disposições sobre as transgressões administrativas, penais e crimes mineiros, todas previstas no Código Mineiro. Também se tem feito recurso ao Decreto Presidencial 158/16, de 10 de Agosto, que versa sobre as transgressões mineiras administrativas”.

Sobre a estratégia de combate ao garimpo de minerais, sobretudo de minerais raros, deu a conhecer que estratégia é multissectorial e não depende apenas do MIREMPET.

 Recordou que recentemente foram realizadas operações de combate ao garimpo e ao tráfico de minerais estratégicos na província do Bié, com  “resultados bastante positivos” , tendo garantido a continuação dos trabalhos.

Ambientalista Juarez Manico defende a necessidade de medidas de mitigação

Juarez  Manico, ambientalista, reconhece que a exploração ilegal de inertes na província do Huambo, sobretudo o ouro, tem vindo a aumentar vertiginosamente, estando a causar diferentes impactos sobre o meio ambiente, tais como: a poluição atmosférica devido ao uso de explosivos nas minas que emitem gases poluentes, o uso do mercúrio que auxilia na concentração do ouro, que é nocivo para o meio ambiente quando descartado sem controlo; poluição das águas e a contaminação química dos recursos hídricos e dos solos.

 Segundo o também docente universitário do Instituto Superior de Educação do Huambo (ISCED), o garimpo de minerais tem provocado a perda da biodiversidade, assim como o  aumento da desflorestação e a sedimentação dos rios.

Juarez Manico, não defende apenas estudos de impacto ambiental, mas também medidas de “mitigação bem controladas para minimizar os  danos ambientais”.

“Não posso precisar se foram feitos estudos ambientais nas diferentes minas, mas mesmo que se tenha feito, pelo que sei, as medidas de mitigação não estão a ser aplicadas”, adverte o ambientalista.

O entrevistado do NJ admite a existência de um certo favorecimento na concessão de títulos de exploração para supostamente proteger “ pessoas bem conectadas”.

Questionado sobre a fiscalização das actividades, considera que existem boas leis sobre a actividade mineira, “mas a sua aplicação tem falhado bastante”.

“ Os nossos dirigentes precisam de melhorar o acompanhamento dos diferentes projectos de exploração de inertes, mas só isso será possível com a formação de quadros competentes, a nível das administrações comunais e municipais”, sublinhou o ambientalista.

Não poupou críticas às empresas que não têm honrado com a responsabilidade social, assim como apelou às mesmas para que, nos recrutamentos de efectivos, passem a privilegiar a mão-de-obra local, de forma a reduzir o desemprego nas áreas de exploração de inertes.