Nas montanhas da zona, de picaretas nas mãos, elas empregam toda a força quanto os seus braços lhes permitem para reduzir o tamanho das pedras. O trabalho é penoso. De quando em vez, soltam lascas de pedras que se projectam para as suas pernas, abrindo-lhes pequenas feridas. Na língua local elas lamentam o sofrimento. É desta forma que, no município da Cela, centenas de mulheres ganham a vida a vender pedras, enquanto outras dedicam-se ao comércio da areia extraída de um riacho
Suzana Mendes e João Faria
Nsimba Georges (fotos)
Seis dias por semana, Juliana Tchopeto, residente no município da Cela, dirige-se a um riacho para retirar areia. Mergulha na água turva do pequeno rio, e, com auxílio de uma pá, retira o inerte do seu leito, que depois deposita num ponto próximo. Diariamente, a mulher, de 39 anos, faz este trabalho em média por doze horas, chegando a mergulhar mais de vinte vezes para conseguir uma quantidade suficiente de areia para vender à beira de uma estrada próxima. Esta é a rotina de centenas de mulheres que exploram inertes naquele município da província do Cuanza-Sul para garantir o sustento das suas famílias
Um dos pontos de extracção localiza-se no bairro Mbuandangue, no município da Cela, onde muitas mulheres dirigem-se diariamente a um riacho local com pás e banheiras para retirar areia. Elas mergulham quase a totalidade do corpo, ficando apenas com a cabeça fora da água e retiram areia, repetindo este movimento dezenas de vezes. Muitas levam os filhos, incluindo crianças com menos de um ano de idade, que ficam na beira à espera que as mães terminem a jornada de trabalho. Os mais crescidos têm a tarefa de recolher folhas e lenha para mais tarde as mães fazerem a única refeição do dia.
Juliana Tchopeto está envolvida no negócio há vários anos sendo uma das mulheres mais antigas que se dedica a extrair a areia do leito do rio. Contou-nos que começou a fazer o trabalho em 2008 porque tanto ela como o marido estavam desempregados, com 8 filhos para criar e sem qualquer fonte de sobrevivência.
Após várias horas de trabalho, ela carrega a areia retirada da água até a estrada mais próxima e aguarda por clientes. à espera, na maior parte das vezes, é longa. “Vendemos cada monte de areia por dois mil Kwanzas mas muitas vezes o cliente reclama e fica por mil e quinhentos. Aceitamos baixar o preço, só para ter alguma coisa para comer em casa”, explicou. Diariamente, revelou, consegue em média três mil Kwanzas mas nos dias em que tem poucos clientes acumula apenas dois mil.
“O dinheiro não chega, é apenas para dar alguma coisa para os meus filhos comerem porque o meu marido até agora não está a trabalhar e as crianças precisam de comer e estudar”, acrescentou Juliana enquanto despejava mais uma pá retirada do rio em meio a lamentos na língua local que ela expressava numa canção improvisada. “A minha vida é muito difícil”, resumiu.
Já Júlia Benjamim, 23 anos, residente no bairro Kingango, faz também o mesmo trabalho. Lamenta o trabalho penoso e aguarda por apoio do Governo porque diz estar cansada “de tanto sofrimento”. Contou-nos que mesmo grávida teve que continuar a trabalhar e que sente o corpo dolorido de tanto esforço. “ Ganhamos quase nada, é mesmo só para remediar”, frisou em meio a choros de crianças que estavam no local.
Para além da exploração de areia na mesma zona as mulheres estão também envolvidas no comércio de pedras que resulta de um trabalho difícil e perigoso.
Elas sobem até as zonas mais elevadas das montanhas, no Mbuandangue e no Morro da Palmeira, no Aldeamento 6, onde com picaretas e ferramentas rudimentares de ferro retiram grandes pedras que depois empurram colina abaixo. O passo seguinte é descer e partir o pedregulho para depois vendê-lo aos montes.
Segundo as mulheres entrevistadas, o trabalho comporta vários riscos, a tal ponto que este ano uma senhora morreu em consequência de um acidente durante a exploração de pedras, no Morro da Palmeira. Outras acabaram feridas e mutiladas, contaram.
Apesar dos acidentes de trabalho, as mulheres continuam a arriscar a vida e justificam a insistência por não terem outra fonte de sustento. Diariamente, conseguem pouco mais de três mil Kwanzas e é com essedinheiro que muitas delas garantem a sobrevivência da família.
“Nos dias em que tenho clientes consigo algum dinheiro e compro algo para comer mas se não vender nada as crianças passam o dia todo a chorar e dormimos mesmo com fome”, lamentou Domingas Chilombo, 35 anos, enquanto investia toda a sua força para reduzir uma enorme pedra.
Ouvida sobre a questão, Manuela Barros, Directora Executiva do Grupo de Liderança Feminina (GLIF), uma organização da sociedade civil baseada do Cuanza-Sul, lamenta a situação enfrentada pelas mulheres que fazem da extração de inertes na província o seu ganha-pão e faz questão de realçar que elas executam este trabalho devido “à luta pela sobrevivência”.
Tendo em conta a dramática situação que se vive naquela localidade, Manuela Barros chama a atenção das instituições do Governo no sentido de apoiarem as famílias envolvidas, criando oportunidades de emprego e melhorando as condições sociais nas localidades do Cuanza-Sul onde as mulheres fazem a extração de inertes.
Para apoiar as mulheres, Manuela Barros defende que as mesmas devem beneficiar de cursos técnico profissionais que as capacitem no sentido de desenvolverem outro tipo de actividade, ou serem inseridas no mercado de trabalho ao mesmo tempo que defendeu a necessidade das mesmas organizarem-se em cooperativas para que possam beneficiar de projectos implementados pelo por instituições do governo e por organizações da sociedade civil.
Administração local promete apoio
António Avelino, Técnico do Departamento para os Assuntos Políticos, Económicos e Sociais da Administração da Cela, reconhece que a instituição tem conhecimento do trabalho feito pelas mulheres na extração de inertes e revelou que está em curso um trabalho para que sejam cadastradas, bem como os locais onde a actividade é exercida.
“Temos acompanhado a situação e no quadro das políticas do Estado temos desenvolvido programas no sentido de apoiar estas pessoas para que deixem de fazer este trabalho”, explicou António Avelino. O objectivo, acrescentou, é apoiar as mulheres no sentido de criarem cooperativas para que possam beneficiar de iniciativas implementadas pelo governo, incluindo o crédito bancário, “para iniciarem os seus negócios”.
Finalmente, o nosso interlocutor chama a atenção que a maior parte das pessoas que faz este trabalho vive em zonas rurais “onde a agricultura é viável” pelo que a administração local está a trabalhar no sentido de apoia-las para que possam dedicar-se à agricultura. “Por outro lado, apelamos às empresas locais que fazem a exploração de inertes para que empreguem ou apoiem este grupo que tanto precisa de ajuda”, frisou o técnico da administração local.
Governo Provincial preocupado com a segurança das mulheres
Quanto à situação das mulheres envolvidas na exploração de inertes, o Director Provincial do Gabinete de Ambiente e Gestão de Resíduos do Cuanza-Sul, Correia da Silva, manifestou preocupação com a segurança das senhoras envolvidas na exploração de inertes que fazem este trabalho, sem equipamentos de proteção “e de forma artesanal”.
Correia da Silva reconhece que as mulheres em causa trabalham sem qualquer tipo de protecção e em circunstâncias difíceis e realça que as senhoras inalam muita poeira e trabalham num ambiente de “alto risco”, pelo que o governo local está atento a situação e tem sensibilizado as mesmas a deixarem esta prática.
O responsável local explicou que o enquadramento legal do trabalho feito pelas mulheres tem sido difícil porque as elas fazem a exploração de inertes de “forma individual, não estão organizadas em cooperativas e retiram diariamente uma pequena quantidade de pedra e areia”.
Sobre o contexto da província no que toca àexploração de inertes, o Director Provincial do Gabinete de Ambiente e Gestão de Resíduos do Cuanza-Sul explicou que para o licenciamento de empresas é exigido sempre um estudo de impacto ambiental. “O nosso foco é o desenvolvimento sustentável e a satisfação das necessidades presentes, sem comprometer as gerações futuras”, fez questão de realçar Correia da Silva.