A exploração de inertes em Luanda tornou-se num dos negócios mais rentáveis, em determinadas áreas constitui uma ameaça à saúde das populações circundantes, assim como causa sérios danos ambientais. A corrida pela areia, burgau, pedras e de outros materiais usados na construção civil mobiliza cidadãos nacionais e estrangeiros, sobretudo chineses. Uns legais, outros à margem da lei.
Texto: Ilídio Manuel (*)
Fotos: George Nsimba
Uma enorme nuvem de poeira levanta-se à passagem do camião «Faton», de fabrico chinês. O pó castanho eleva-se aos céus, rodopia no ar para, depois, pousar suavemente sobre a pequena vegetação que ladeia a estreita estrada de terra batida.
Mesmo antes de a poeira assentar totalmente sobre os arbustos, o capim seco e as fachadas das casas humildes, outro camião também ele de origem chinesa, carregado com 18 toneladas de areia, volta a levantar mais uma coluna de poeira.
O vaivém das viaturas, assim como o roncar dos motores aparentemente cansados são uma presença constante naquela zona localizada nas proximidades da Centralidade Urbana do Sequele,no município do Cacuaco.
No ar, há uma sensação de sufoco e poluição ambiental à conta dos vários camiões que diariamente fazem-se-à estrada naquela zona situada a norte de Luanda, que dista a cerca de 30 Km do centro da cidade. Vão em busca de inertes, mais concretamente areia, burgau e pedras que dão vida ao sector da construção civil que no fim da guerra civil de 2002ganhou um grande impulso, quando foi anunciado que Angola seria um «Canteiro de obras».
Os habitantes daquela zona já perderam a conta de quantas viaturas pesadas cirandam diariamente pelas estradas que dão acesso às jazidas de onde são extraídos os inertes. Por estimativa, serão algumas centenas de veículos que, de segunda-feira a segunda-feira,do raiar do dia ao pôr-do-sol,fazem o trajecto nos dois sentidos.
À medida que nos aproximamos do local, os sinais do «crime ambiental» tornam-se mais visíveis, assim como a miséria e o abandono a que estão votados os moradores do bairro conhecido por Sequele II, ou «Sombra dos embondeiros», como também é conhecido o local.
Segundo os moradores da zona, o nome «Sombra dos Embondeiros» deveu-se à existência de muitas dessas árvores de raízes profundas e braços gigantes que lá existiam, mas que, numa velocidade estonteante, foram desaparecendo devido à exploração irracional de inertes.
Uma fonte ligada à Administração de Cacuaco, que falou na condição de não ser identificada, revela que o Sequele divide-se em 1 e 2, tendo na primeira área sido construída a Centralidade Urbana que lhe deu o nome, e que o mesmo provém do facto de a terra ser seca e improdutiva.
«A Centralidade do Sequele foi construída com a areia e pedras tiradas daqui pelos chineses», diz à nossa a reportagem o jovem Wilson Júnior, ao mesmo tempo que denuncia o abate indiscriminado de embondeiros de que tem sido alvo o bairro «Antes existiam muitas destas árvores, mas que ao longo de anos foram desaparecendo devido ao negócio da areia.
A areia vermelha tem servido de entulho nas obras e a branca para levantar as paredes e rebocá-las», adiciona.
«São muitos os camiões envolvidos neste negócio da areia que todos os dias fazem o movimento de ida e volta «Não consigo precisar o número exacto, mas posso garantir-lhe que o negócio é bastante rentável, movimenta muita gente e muito dinheiro» sublinha, ao mesmo tempo que desenha no ar com auxílio das mãos o que entende ser a envergadura das pessoas e valores nele envolvidos.
Abordado pela nossa reportagem, um dos motoristas que não se quis identificar, revelou que cada camião de 18 toneladas de inertes está a ser vendido entre 60 a 70 mil Kwanzas. Mas, «o preço pode aumentar em função da distância a percorrer», advertiu.
Abate indiscriminado de Embondeiros
À distância são visíveis os enormes buracos causadas pela extracção das areias e pedras, assim como a escassez de embondeiros.
A fonte da Administração diz que antes da exploração dos inertes naquela área não existia população, visto que a mesma era militarizada e que só foi aberta depois de 2002, com o fim da guerra civil. «A zona estava minada e só a partir de 2004 é que a população começou a habitá-la, ou seja, depois de ter sido limpa das minas».
Tudo aponta que foi depois da desminagem que o Sequele despertou as atenções para o negócio das areias, algo que ganhou maior dimensão com a vinda dos chineses para Angola que construíram a centralidade do mesmo nome.
Os populares comentam que uma das consequências do abate indiscriminado de embondeiros estará a reflectir-se nas habitações da Centralidade do Sequele, que dista a 5/6 quilómetros do local onde nos encontrávamos.
A nossa equipa de reportagem procurou aproximar-se do Estaleiro onde se encontravam as máquinas, tendo sido à entrada interpelada por um cidadão chinês.
Um dos repórteres simulou o interesse na compra de um camião de areia, tendo o cidadão asiático adiantando, num português arranhado, que cada carrada custava entre 60/70 mil Kwanzas, mas que o preço variava em função da distância. Apesar da distância, deu para verificar que a empresa que opera na zona não tem estado a proceder à restauração dos solos.
O interlocutor assustou-se quando se apercebe da presença de uma máquina fotográfica. De repente, muda o discurso para mandarim e faz sinais de que não falava português.
Foi possível apurar que a empresa em causa havia cessado a sua actividade em Setembro de 2017 e que a exploração de inertes viria a ser retomada há coisa de quatro meses antes da nossa estadia naquele local.
Sem água, luz e escolas
Durante a visita, constatamos que os habitantes locais vivem abaixoda linha da pobreza, como que atirados à sua sorte. Os tanques de água à volta das casas e casebres, assim como a ausência de postes de energia eléctrica eram indicadores de que a água canalizada e a luz não chegaram ainda àquelas paragens. E, pelos vistos, não será tão cedo.
Na «Sombra dos Embondeiros» não falta apenas água e luz, mas também escolas, postos de saúde e uma unidade policial, o que limita à circulação dos moradores para lá das 18 horas. Ao cair da tarde e às primeiras horas do dia novo, dizem os moradores, é «muito perigoso» movimentar-se nas áreas de acesso ao bairro devido à presença de marginais que assaltam os transeuntes, os carros e motorizadas. «É uma espécie de terra de ninguém», descreve o jovem Wilson.
À vista desarmada, qualquer forasteiro apercebe-se facilmente da existência de patologias de foro respiratório motivadas pelas enormes quantidades de pó incrustadas nas paredes e no interior das casas.
Ana Maria Aurora, 48 anos, rosto precocemente envelhecido pelas agruras da vida, não tarda a confirmar as nossas suspeitas. «Sofremos imenso com a poeira provocada pelos camiões de areia, sobretudo as crianças que são frequentemente atacadas por muitas doenças respiratórias sendo as mais frequente as tosses, gripes ealergias.
Ela, que antes vivia no Lubango, «aterrou» há dois anos no Sequele, por força do casamento com um ex-militar das FAA,lamenta a falta de um posto de Saúde no bairro. «O posto de Saúde mais próximo daqui dista a 5/6 Km da Centralidade do Sequele. Quando não temos transporte disponível, levamos o doente às costas», diz, ao mesmo tempo que aponta o dedo indicador em direcção à nova centralidade urbana, cujos prédios de vários andares perdem-se na linha do horizonte.
Queixa-se também da falta de uma escola pública. «Temos apenas uma escola privada, mas nem todos têm dinheiro para meter lá os seus filhos».
Denuncia que o bairro vive no «total esquecimento», à excepção dos períodos eleitorais quando os partidos políticos lá vão realizar as suas campanhas à caça ao voto.
Em relação à responsabilidade social dos operadores do sector, Ana, diz, peremptória, que a exploração de inertes só tem trazido mais desvantagens e quase nenhum benefício à população. «Eles nem sequer borrifam a estrada, mesmo depois dos vários pedidos que já fizemos nesse sentido». «A única vantagem é comprarmos a areia um pouco mais barata por estarmos próximo da área onde a mesma extraída».
Bernardo Chingue vive há dois anos no bairro, tem 10 filhos. Queixa-se das péssimas condições de vida e das ameaças que os moradores têm sofrido por parte dos homens que exploram os inertes. «Quando nos queixamos do pó e das doenças que o mesmo provoca, eles ameaçamnos expulsar desta zona».
Abordado sobre o assunto,o Director Nacional dos Recursos Naturais do Ministério dos Petróleos e Recursos Minerais, André Buta, denunciou a existência de um certo oportunismo por parte da população que construiu as suas moradias próximo das áreas onde se procede à exploração de inertes, tendo apontado como exemplo o Sequele e Cacuaco.
Segundo o responsável, vários populares construíram de forma «irresponsável e oportunista» nas zonas de exploração de inertes na perspectiva de beneficiarem dos programas estatais de realojamento.
Lançou um apelo aos órgãos do Estado no sentido de estes impedirem que a população construa em áreas de exploração mineral, de forma a evitar-se que as pessoas sofram com os danos colaterais.
«Quando se deu início à exploração de inertes não existiam casas nessas áreas. Hoje, as construções não se limitam às zonas mineiras, pelo que se estendem até à beira das vias de circulação», sublinhou André Buta.
Disse, a finalizar, que as empresas que não têm cumprido com a legislação vigente têm sido objecto de advertências, numa primeira fase, e em casos, de reincidência aplicam-se as sanções que podem levar à cassação das licenças.
Erosão de solos e alterações climáticas
A ambientalista Eufrasina Paiva adverte, por sua vez, que a exploração de inertes mexe com os solosque contêm muitos minerais, o que pode trazer como consequência as erosões de solos, ravinas, desflorestação.
A entrevistada diz que a extracção dos recursos minerais de forma irracional causa danos ambientais, alterações climáticas, bem como a diminuição da qualidade de vida no seio das populações, já que torna os solos férteis em inférteis.
Eufrasina Paiva deu como exemplo a exploração desenfreada demadeiras quetraz como consequência a redução de árvores e consequentemente daschuvas. «Existindo poucas árvores a quantidade de oxigénio libertado é menor, o que pode originar as chamadas chuvas ácidas».
A especialista recomenda a intensificação das campanhas de educação ambiental, assim como a aplicação de boas políticas de conservação do meio circundante que estão em curso em alguns países da Europa, Ásia, dentre outros continentes.
Riscos de saúde para população
Por sua vez, o médico especialista em Saúde Pública Norberto Bondoso revelou que a exposição às poeiras resultante da exploração de inertes pode causar várias patologias de foro respiratório e cutâneo, tendo destacado as bronquites, asmas, cancro do pulmão, enfisema agudo, tosse alérgica e infecções da pele.
Segundo ele, os velhos e crianças correm os maiores riscos de contrair as doenças atrás enumeradas devido à vulnerabilidade dos seus organismos.
Lançou um apelo às autoridades competentes no sentido de procederem à imediata retirada dos referidos cidadãos para um local melhor onde não haja contacto com o ar poluído. «As comunidades devem estar afastadas desses locais, sobretudo nesta época do cacimbo em que há uma maior incidência de doenças de foro respiratório e cutâneo», advertiu o clínico.
Segundo o director do Desenvolvimento Integrado do GPL«Estudo de impacto ambiental é incontornável para a concessão da licença»
Criado há quatro anos, o Gabinete do Desenvolvimento Integrado do Governo Provincial de Luanda (GPL) chama a si a responsabilidade, dentre outras tarefas, pelo licenciamento da actividade mineira.
Segundo o seu director, Amaral Bastos, o Gabinete depende metodologicamente do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos, com o qual colabora na atribuição de licenças aos operadores económicos que actuam nesse segmento do mercado. «Temos uma relação institucional com o Ministério do Ambiente, à semelhança do que acontece com todos os organismos do Estado», adiciona.
Questionado sobre os pressupostos exigidos para o licenciamento dos operadores do ramo mineiro disse que era necessária a apresentação dos seguintes documentos: requerimento dirigido ao titular do pelouro, uma declaração do representante da empresa acompanhada do registo criminal, uma declaração de localização da empresa, cópia do Registo Mineiro, croquis de localização e respectiva memória descritiva, com pareceres emitidos pelo GPL.
O responsável do GPL revelou que Luanda devido à sua estrutura geológica não possui rochas ornamentais, apenas inertes, nomeadamente a areia comum, areia siliciosa, areia vermelha, burgau, argila e calcário. Apontou os municípios de Icolo e Bengo, Kissama, Viana e Cacuaco como sendo os locais em que se procede à exploração dos referidos inertes. Alegou «razões técnicas» que terão estado na origem do fim da exploração de areia na zona das Palmerinhas que, segundo ele, era um dos locais predilectos para o garimpo feito por operadores que exerciam a actividade à margem da lei.
À uma pergunta sobre se a exploração de inertes tem sido precedida de estados de impacto ambiental, Amaral Bastos respondeu dizendo que era o documento em causa era «incontornável» para a concessão do alvará e consequente exercício da actividade. «Antes de os operadores explorarem uma determinada área, eles devem apresentar o estudo de impacto ambiental que é elaborado pelos Ministérios do Ambiente e dos Recursos Minerais, respectivamente», reforçou. Sobre o controlo da actividade, revelou que o GPL tem feito inspecções aos locais de exploração de inertes fazendo parte de uma brigada integrada que é composta por elementos de outros organismos, nomeadamente dos Ministérios dos Recursos Minerais e do Ambiente.
Manuel Bastos disse que em caso de violação das normas do Código Mineiro, os operadores têm sido sancionados de acordo com a gravidade de infracção, podendo nos casos de maior gravidade levar à cassação da licença de exploração.
«Existem normas que devem ser cumpridas pelos operadores, de contrário eles sujeitam-se às multas» advertiu o responsável. Admitiu a existência de garimpeiros que exploram os inertes sem que estejam legalizados para o exercício da actividade, tendo lançado um apelo no sentido de eles legalizarem-se.
Questionado sobre se os operadores têm honrado com as suas obrigações fiscais, disse que eles depositam as suas contribuições na Conta Nacional Agregadora, que deu lugar à Conta Única do Tesouro (CUT).
Em relação à responsabilidade social, revelou que os operadores do sector, à semelhança de todos agentes económicos cujas actividades gerem lucros, são obrigados por lei a criar pequenos investimentos em prol das comunidades locais. «Se a licença for concedida numa área habitada, ao operador económico assiste-lhe à obrigação de alojar e desalojar os moradores da referida zona», disse a finalizar.
(*) Com Jane Lopes