“Tia” Maria, uma líder versátil da Rede de Mulheres do Cazenga
Texto: Ilídio Manuel
Fotos: Edson Fortes
Nasceu em Malanje há 69 anos, mas foi em Luanda, mais concretamente no Cazenga, onde cresceu, que fez-se mulher e tornou-se líder da uma organização feminina bastante activa naquele bairro da capital angolana.
Em criança, aos 10 anos de idade, “aterrou” no bairro, que décadas depois, viria a ser um dos mais populosos de Luanda, para não mais abandoná-lo. Afeiçoou-se ao Cazenga, de sorte que depois de casada, foi viver para o Prenda por algum tempo, mas acabaria por retornar ao seu “bairro do coração”, confessa.
Maria José Mateus Júlio ou, simplesmente, “Tia Maria”, como é carinhosamente tratada naquelas paragens, é uma figura bastante conhecida no bairro. Não fosse ela a líder da Rede Mulheres do Cazenga, uma organização que mobiliza as suas demais companheiras para a defesa dos seus direitos, sobretudo das que se sentem marginalizadas pelas políticas públicas, ou abandonadas, ou ainda marginalizadas pelos seus parceiros.
Conhece como poucos os cantos ao “seu” Cazenga, que, segundo ela, “cresceu muito nestes últimos anos, embora o crescimento populacional não se fizesse acompanhar do correspondente desenvolvimento social e económico”.
Os problemas do Cazenga são comuns aos demais bairros pobres de Luanda: falta de água corrente, saneamento básico, estradas, escolas, hospitais, centros de saúde, locais de lazer, etc.
A par de uma miríade de problemas sociais com que se confronta o Cazenga, abundam no referido bairro vários casos de fuga à paternidade, e as “mulheres sentem-se obrigadas a exercer o duplo papel de mães e pais”, lamenta a activista social.
Sem empregos e com poucas possibilidades de integração social, elas vivem, na sua maioria, do comércio informal, a única fonte sustento dos muitos filhos que têm a seu cargo. Com tristeza, denuncia que há também vários focos de prostituição, mormente entre a juventude.
Questionada sobre as razões que a levaram a abraçar as causas sociais, “Tia” Maria, que é professora e educadora social há 18 anos, diz que foi o “amor ao próximo” e a necessidade defender os direitos das comunidades vulneráveis, nomeadamente as mulheres, crianças e idosos junto dos poderes públicos”.
“No actual contexto angolano, muitas mulheres têm sido as verdadeiras chefes de família, visto que elas mantêm a casa, os filhos e cuidam do seu sustento”, defende a “Tia Maria”, para quem é necessário “ capacitar as mulheres para a melhorar a defesa dos seus direitos e permitir a sua integração social”.
A activista social dirige uma creche que cuida de crianças dos zero aos 5 anos de idade. “No total, são 59 crianças de ambos sexos, cujos pais deixavam até há poucos meses os seus filhos ao cuidado das nossas educadoras de infância, e pagavam no final de cada mês, a módica quantia de 5 mil Kwanzas”, explica.
Percebe-se facilmente que a interlocutora fala com alguma tristeza que se esconde por detrás da máscara que lhe protege a boca e o nariz, ao lamentar o encerramento da creche por força da COVID-19. Mostra-se esperançosa e espera que a pandemia venha a ser controlada num curto espaço de tempo para permitir que a “vida regresse à normalidade”.
Uma mulher versátil
À porta dos 70 anos, a “tia” Maria deixa transparecer uma certa vitalidade e dinamismo, capazes de causar inveja a muitos jovens.
Mãe de seis filhos, professora, educadora social, activista, conselheira, católica, Maria Júlio é uma mulher que junta várias valências e que se desdobra em várias actividades de âmbito social.
À pergunta como tem sido o seu dia-a-dia, respondeu: “Tem sido de muito esforço e coragem para superar as inúmeras barreiras que surgem na vida. Apesar das vicissitudes do presente, tenho esperança num amanhã diferente, melhor”. E adiciona: “Não desisto, porque ponho Deus sempre a frente de tudo”.
Maria Mateus Júlio lamenta a falta de apoio por parte dos organismos estatais, mas destaca e agradece a ajuda que a sua organização tem recebido da ADRA, APDCH, PMA e da Igreja Católica de Santo António, localizada no Hoji ya Henda.
Questionada sobre o que mais lhe marcou no exercício das suas actividades, revelou que foi de ter tido a oportunidade de aumentar os seus conhecimentos, sobretudo nas viagens ao estrangeiro que lhe permitiram conhecer novos países e novas realidades culturais.
Poliglota, a “tia” Maria fala expressa-se fluentemente em português e nas línguas nacionais kimbundo, kicongo e umbundo, e define-se como uma pessoa que gosta de aprender, escutar. “Tenho por hábito ouvir, pondero muito antes de tomar as decisões. Não sou arrogante, mas uma conselheira da minha família e dos meus vizinhos, uma mãe amiga dos meus filhos”, sublinha.
Em relação ao seu maior sonho, diz que é ver o seu “esforço pela igualdade de género ser reconhecido internacionalmente, à semelhança da queniana Wangari Muta Maathai, que venceu o Prémio Nobel da Paz em 2004”, pretende também “ver as mulheres mudarem o mundo, sobretudo em Angola, “com palavras e actos”.
Questionada sobre o seu maior hobby, diz que gosta de ler, sobretudo obras literárias que abordem questões relativas à protecção ao meio ambiente. “Gosto também de falar sobre a minha infância, ensinar os mais novos como viver e enfrentar os desafios no seu quotidiano”, concluiu a “Tia Maria”.