Série heroínas da comunidade
Coordenadora da Associação dos Cegos e Amblíopes do Huambo
Uma doença estranha e a falta de recursos financeiros roubaram-lhe a visão num curto espaço de 5 anos. Aos 19 anos perdeu a visão do olho direito e aos 24, a do lado oposto, deixando-a completamente às cegas, contudo ela enfrentou esta dificuldade e fez da luta pelos direitos das pessoas com deficiência uma causa
Texto: Ilídio Manuel e Ivone de Lourdes (*)
Fotos: Valentino Kulivela
Apesar do infortúnio, Claudeth Marta da Silva Kapapelo possui uma vibrante força interior que lhe permite contornar os obstáculos impostos pela deficiência visual de que padece há mais de três décadas.
Viu a luz do dia no município do Katchiungo, na província do Huambo, onde nasceu, cresceu e teve uma infância feliz, como qualquer outra criança da sua idade. Enxergou a beleza da natureza, o azul do céu, o verde dos campos agrícolas e as lindas cores do arco-íris.
Aos 56 anos, Claudeth Silva é mãe de uma menina, de 23 anos, de quem muito se orgulha.
Não se deixou abater pela cegueira, pelo contrário, tem encorajado outras pessoas na mesma condição para que enfrentem os desafios do dia-a-dia, tendo sido uma das impulsionadoras da criação da Associação dos Cegos e Amblíopes do Huambo, uma organização Não-Governamental (ONG) que comporta mais de uma centena de membros.
Tem uma história comovente e triste por contar, mas nem por isso esboça sinais de desânimo. A narrativa sai-lhe pela boca de forma cadenciada, as palavras bem articuladas e o seu discurso é sistematizado. Pela “lei da compensação” dir-se-ia o que Claudeth perdeu em visão ganhou em poder de retórica.
Conta que aos 19 anos começou por ver reduzida a sua capacidade de visão. “Senti que estava a perder a visão do olho direito, mas não tive a sorte de ser encaminhada na altura às consultas de especialidade. Foi um tratamento às cegas”, lamenta.
A doença não seria, porém, o único escolho a atravessar-lhe pelo caminho, tendo emergido outros obstáculos na sua atribulada estrada da vida, tais como a guerra civil que limitava a circulação de pessoas e bens, assim como a falta de recursos financeiros para viajar para Luanda em busca de tratamento médico adequado. “Perdi a vista do lado direito ainda no Huambo”, recorda, com tristeza.
Volvidos alguns anos, a doença volta a bater-lhe à porta, atacando-lhe desta vez o olho esquerdo. Com ajuda da família consegue, finalmente, viajar para Luanda onde passa a ter um acompanhamento médico, mas a maldita doença que a perseguia viria a agravar-se em pouco tempo.
Tenta uma junta médica para o tratamento no exterior do país, mas sem sucesso, devido a uma série de barreiras burocráticas e uma gritante falta de sensibilidade humana.
Com muito sacrifício, a família conseguiu juntar dinheiro que lhe permitiu viajar para o exterior. Em Portugal, renasce-lhe a esperança, mas seria sol de pouca dura. “Na altura, lembra, a cegueira já era irreversível. E adiciona: “Além do atraso, houve também um erro médico que agravou a situação”.
Durante a sua estadia no exterior do país conviveu com várias pessoas na mesma condição que a sua e isso levou-lhe a acreditar que a cegueira poderia ser vencida.
Além de coordenar a Associação dos Cegos e Amblíopes, Claudth Silva é professora na Escola Especial do Huambo e tem como habilitações literárias o PUNIV de Ciências Sociais, a par de cursos técnicos profissionais na área dos invisuais.
Importância da família é indefensável
A entrevistada reconhece que a perda total de visão, tanto no meio urbano como rural, acarreta uma série de consequências e que não é fácil aos deficientes visuais aceitarem a sua nova condição.
Diz que a família tem muita importância na recuperação psicológica e no acompanhamento dos invisuais, tendo aproveitado a ocasião para agradecer também às “pessoas de boa fé” que lhe têm ajudado.
Claudeth Silva sabe o quanto útil tem sido a ajuda da sua única filha que lhe serve de cicerone (guia) quando sai à rua, nas suas deslocações à escola ou para tratar de outros assuntos.
A activista social denuncia o comportamento de muitos membros da sociedade que “discriminam os cegos, como se eles fossem os culpados pela sua condição de saúde”. E crítica a falta de hospitais de especialidade e estruturas de acompanhamento dos deficientes visuais.
Admite que tirando as limitações visuais, os invisuais são “pessoas normais, com capacidade para realizar muitas tarefas”. “Há cegos que possuem graus académicos de licenciados e mestres que podiam ser profissionalmente melhor aproveitados”. Destacou que a Associação, da qual é coordenadora, tem vindo a realizar várias actividades, nomeadamente a confecção de roupas, pastelaria e trancaria.
Queixa-se da falta de apoios do Estado à Associação que dirige, porquanto a mesma não possui o estatuto de organização de utilidade pública. “Temos recebido alguns apoios de uma organização estrangeira, mas que não chegam para cobrir as nossas necessidades”, refere.
Defende uma maior integração dos invisuais no mercado do trabalho, em cumprimento da legislação vigente.